Nos últimos tempos muito se tem falado de acidentes com crianças e da responsabilidade (ou irresponsabilidade) dos pais. A meu ver, penso que é necessário ter-se muita cautela em apontar o dedo as estes pais, antes de perceber tudo o que motivou o acidente. Quando era miuda, aconteceu-me um episódio que hoje disperta alguma graça, mas há 13 anos atrás teve tudo menos graça.
Era tarde, a minha mãe e o meu pai estavam a trabalhar e por qualquer motivo que não me recordo, eu ( 10 anos ) e o meu irmão ( 5 anos) não tinhamos escola nesse final de dia. Avós e outros familiares não estavam presentes. Vizinhos, amigos e conhecidos não estavam disponiveis. Como era uma menina ajuizada (acho que ainda sou) fiquei a cuidar do meu irmão por algumas horas.
Como sempre tive uma imaginação fértil, decidi organizar um piquenique com o meu irmão na sala...almofadas para um lado,mesa para o outro, toalha no chão,enfim...um verdadeiro filme de terror para um adulto que observasse naquele momento aquela divisão. O ponto alto do piquenique eram pois os desenhos animados que estavam a dar na televisão (era um leão branco o bom da história e passava na rtp2 quando não havia mais desenhos em outros canais).
Enquanto fazia as sandes para o belo lanche o telefone toca. Com certeza que seria o meu pai para saber se estava tudo bem.
Da cozinha lancei um grito para o meu irmão atender porque eu estava ocupada.
O telefone deixou de tocar, mas estranhei não ouvir o meu irmão a falar. Dirigi-me então à sala...lá estava ele, o meu irmão, de perninha cruzada a olhar para a televisão sem um unico piscar de olhos.
- Quem era? - perguntei.
- Era a mãe.
Estranhei logo, a minha mãe não costumava telefonar, esse era tarefa destinada ao meu pai.
- O que ela queria?
- Não sei.
Disse-me "não sei" com a maior indiferença do mundo e com os olhos ainda pregados à TV.
- Não sabes como? Não falaste com ela?
- Não. Disse-lhe que a casa estava toda a arder.
O quê???????????? entrei em panico, automáticamente olhei para o telefone que estava fora do sitio...nem se tinha dado ao trabalho de o colocar de forma correcta (os desenhos animados nem eram os mais interessantes da altura, mas ele estava consumido por aquilo).
Fui directamente à agenda, para ligar à minha mãe, mas ela tinha mudado à pouco tempo de trabalho e ainda não tinhamos o número.
Telefonei então ao meu pai (coitado...nem sabia o que fazer ou dizer...) a unica solução era aguardar que ela chegasse (o seu trabalho ficava a 5 minutos da minha casa).
De salientar o facto de nesta altura ainda não haver telemoveis...mesmo que houvessem...ainda hoje a minha mãe não usa telemovel ( ainda bem para o seu salario, porque já foi comprovado que qualquer saldo que um telemovel tenha nas mãos dela, dura no máximo 3 dias).
Pensei então em ser prática...se não podia fazer nada na altura ( e espancar o meu irmão não me ia adiantar grande coisa) pensei que o melhor seria arrumar a sala antes que ela chegasse...mas tarde demais...os 5 minutos tinham passado e depois de ter subido até ao 6º andar a pé, ainda teve forças para quase destruir a fechadura da porta. Claro que vinha em panico acompanhada com uma colega.
Os bombeiros vinham a caminho e para o meu irmão não ver o triste espectaculo que tinha preparado para a vizinhança assistir, a minha mãe disse para vestir o meu irmão e o levar para o karaté. Mas tarde demais...mal tinhamos atravessado a rua, lá vinham as sirenes e os vizinhos todos com a cabeça de fora da janela.
Durante os meses seguintes o rapaz não podia ouvir uma sirene que entrava logo em stress, mas fiquem descansados que já recuperou do trauma. E eu também aprendia a lição...nunca mais fiz piqueniques dentro de casa...que vergonha...
Resumindo, os meus pais não tinham outra hipotese, eu já era grandinha, responsavel, mas não deixava de ser uma criança, com a criatividade à flor da pele e com um irmão mais novo para cuidar. Mas vou acusar os meus pais de negligencia? Vou acusá-los de serem maus pais?
Fiquei mais calminha em relação à criatividade, mas ainda tive a capacidade de quase colar os meus dedos com cola tudo...felizmente consegui ser mais inteligente ( ou não...)e telefonei ao meu pai a contar o disparate de ter andado a mexer nas coisas dele. Escusado será dizer que também aqui os desenhos animados estavam presentes.
Concordo inteiramente contigo. Muitas vezes temos a tendencia de culpabilizar alguem pquando qualquer coisa não corre bem, Temos que pensar muito bem nas situações. Para mim não é falta de vinculo coisa nenhuma, para mim é o expoente maximo do stress que um ser humano pode sentir e que conduz a actos destes. Sem duvida que aquele pai o pesadelo daquele dia não terá terminado pois para sempre irá culpabilizar-se.....
ResponderEliminar