A tremelicar de frio, cá estou eu bem enroladinha a um cobertor a ver se algo me aquece...o ideal seria que o filme que estou à espera para ver já estivesse disponivel, mas como não está lembrei-me de passar por aqui.
Ontem foram 16h de trabalho penosas, não fossem elas as últimas 16h antes de ir para umas férias improvisadas.
O dia teve vários momentos marcantes, começando desde cedo com...bem não interessa...apesar de dar valor a todos os pormenores, há alguns que neste momento precisam de ser ignorados e de forma urgente.
11h dirigi-me a um doente pela primeira vez no turno...o motivo para ele estar ali presente: neo do colon metastizada para os pulmões e cérebro. Tinha estado com o doente num turno anterior e antes que ainda tivesse oportunidade de o conhecer já o "Edmundo" a meio da passagem de turno me dizia "este senhor vai morrer".
Já não estava ventilado, comunicativo, consciente e orientado. Depois de meia duzia de troca de palavras comecei a perceber que era o tipico doente que não poderia dar grandes confianças. E terminei o meu turno da manhã sem me aproximar muito mais dele. Durante a tarde as coisas começaram descambar...ele gritava que lhe doia o pulmão e ao mesmo tempo desaturava rapidamente até aos 68%...indicação médica: não fazer mais nada, sem indicação para ventilar ou investir...Mas se de um lado estava a fria realidade, do outro estava um homem com falta de ar, a morrer e o pior de tudo para mim...consciente.
Voltei para junto dele e depois de umas quantas manobras com o intuito de aumentar as saturações periféricas e o deixar o mais confortavel possivel, o homem diz-me "estou cansado, sinto que estou a ir..." e eu sabia que ele não estava a dizer isso só por dizer, expliquei-lhe que já lhe tinhamos dado um calmante e que isso também ajudaria a estar mais sonolento. Agarrou-me na mão e era ele que desta vez me fazia festas na mão. Desfeita por dentro, acho que lhe consegui transmitir alguma da confiança que ele precisava naquele momento...pelo menos foi o melhor que naquele momento eu consegui dar. Em jeito de brincadeira dizia que eu tinha os olhos bonitos, quando na realidade é ele que tem uns olhos verdes radiantes, e ainda com 72% retirava a mascara de alto debito para me mandar beijos, quase com motivos para me chatear com ele...mas não consegui.
Em alguns momentos em que estive com ele, deu-me a sensação (possivelmente estupida sensação) que ele conseguia perceber muito mais do que aquilo que eu aparentemente lhe demonstrava. Ao escrever estas palavras passadas sinto que muita coisa ficou por escrever e muita coisa por fazer e para lhe dizer.
Acho que vou ter de pensar nisto durante uns tempos...dúvido que ele esteja lá daqui a uma semana...mas acho que também seria egoísta se desejasse isso.
As tardes intermináveis que tenho feito têm-me também ajudado a lidar melhor com os familiares...quando um familiar pergunta a um enfermeiro como o seu ente querido está, odeio a tipica frase "está igual a ontem" quando na maioria das vezes isso não é verdade e mesmo que o seja há sempre muito mais para dizer do que apenas isso.
Sem pensar muito verifiquei que passei quase o momento todo da hora das visitas junto aos doentes e aos familiares...isto é suposto, mas nem sempre acontece e até porque há que ter a sensibilidade de perceber quando a nossa presença é desejada e não viola os poucos minutos de privacidade que aquelas pessoas. No final da última visita uma familiar de uma doente que está lá há mais de um mês disse-me "sabe, gosto muito quando a senhora enfermeira está aqui." Mais um alento para querer fazer sempre mais e melhor. Gosto mesmo que aqueles familiares saiam dali mais aconchegados e que quando estiverem a fazer mais não sei quantos quilometros de regresso a casa sintam que realmente valeu a pena lá terem ido...e isso não depende apenas do doente (just my opinion).
Depois das ditas 16h de trabalho ainda passei pelo quartel...e que diferente que está. Levei logo com um daqueles abraços do chefinho que sabem sempre muito bem e com a paciencia de sempre do galã lá do sitio (para mim) para me mostrar as novas instalações e me mostrar as novas viaturas. Novas ambulâncias totalmente remodeladas, e os carros de fogo...Entrei no VEFI para recordar...uma roda daquele carrinho chega-me ao ombro...que saudades...os ARICAS...o cheiro...até os bancos...fartaram-se de rir por minha causa, eu estava de facto em extase. Entretanto lá chegou o meu Moldavo, igualizinho ao de sempre que me deu um abraço daqueles de tirar os pés do chão...e eu bem que estava a precisar depois de um dia destes...Lá voltámos às palhaçadas e recordámos uns bons momentos.
Para completar o dia, ainda tive direito a uma conversa que não sei se foi boa se foi má...mas não me parece que tenha sido muito boa...de qualquer forma o tempo o dirá.
sábado, 20 de fevereiro de 2010
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário