
E mais um doente crónico que me marcou...
Conheci o senhor "Fernando" há cerca de um mês, pouco depois de lhe ter sido diagnosticado Guillain-Barré. A doença complicou até o doente ter de ser transferido para o nosso serviço para ser conectado a uma protese ventilatória. Inicialmente ainda se tentou VNI mas sem sucesso, tendo sido a ventilação invasiva o último recurso para manter o doente vivo.
Inciou-se então um processo longo de mais de 10 dias, em que o doente quase não se mexia consciente de tudo o que se passava à sua volta e estava ventilado e como tal não podia falar. Nos primeiros tempos que estive com ele, foi...posso mesmo dizer bastante doloroso para mim enquanto enfermeira conseguir lidar com um doente que se quer expressar mas não consegue...eram várias as técnicas que utilizavamos para conseguir estabelecer uma comunicação com ele, mas a ansiedade que o doente muitas vezes mostrava, aliada à nossa estupida falta tempo eram barreiras com que todos os dias nos confrontavamos.
Recordo-me de uma saída de vela, em que fui posicionar o senhor "Fernando" com o "Edmundo". Comecámos por lhe perguntar como gostaria de ficar e depois procedemos a todos os cuidados que o doente tinha direito...depois de terminármos perguntámos se estava confortavel ao que ele respondeu que não. Tirámos almofada, colocamos de novo almofada, questionamos sobre onde era o desconforto percorrendo todas as partes do corpo, utilizamos o quadro com letras e frases para copnseguir perceber, até que depois de muito tempo acabámos por o deixar em decúbito dorsal, mostrando-se assim confortável...mas eu fiquei com sérias dúvidas sobre se tinha expressado esse conforto porque de facto o sentia, ou porque simplesmentes percebia que nós não o estavamos a compreender.
Naquele dia saí do serviço com uma sensação de frustração...Nem sempre conseguia compreender o senhor "Fernando" e isso de facto irritava-me quando colocava em causa o seu conforto.
Uns dia mais tarde, no meio das longas conversas com o "Edmundo", desabafei com ele o facto de muitas vezes me sentir impotente frente àquele doente. O debate que tivemos sobre o assunto fez-me bem e ajudou-me a não querer desistir desta pequena batalha enquanto enfermeira.
Voltei a estar com o senhor "João" durante uma série de turnos. E de facto comecei a ter algum sucesso em algumas coisas, à medida que o ia conhecendo. Controlar a ansiedade do doente era o mais importante...sem isso, ficava desadaptado do ventilador e cada vez mais limitado em conseguir expressar o que quer que fosse.
Depois foi sendo cada vez mais facil...já conhecia as zonas de corpo que lhe causavam mais dor, os locais de prurido, as perguntas frequentes como as horas...
Felizmente o doente foi ficando cada vez melhor, e chegou o dia em que foi finalmente extubado com sucesso...foi maravilhoso conseguir ouvir aquela voz mesmo que cansado.
Mas as noites continuavam a ser um suplicio com a ansiedade, a falta de sono, tudo à mistura. Nas minhas últimas noites fui posicionei este mesmo doente no minimo umas 5 vezes. E nada me dava mais satisfação do que saber que ele ficaria bem para tentar descansar mais algum tempo.
Na última noite e insónia chegou à 5h e com ela mais uma vez a ansiedade a prejudicar a parte respiratória. Tinha combinado com ele que se quisesse apenas a presença de alguém ao pé dele para se sentir mais seguro, eu ficaria lá com ele. E assim foi. Às 5h ele chamou, simplesmente porque o sono já não vinha. Tirei-lhe a mascara de oxigénio e estivemos a falar um pouco sobre trivialidades do serviço. Foi engraçado saber que ele sabia não só o meu nome como também o de alguns dos meus colegas e que conseguia caracterizar, embora que de forma simples, cada um de nós. Falámos da rotina do serviço e de algumas coisas a respeito dele. No final disse-lhe "vê senhor «Fernando» estamos aqui à uma serie de tempo a falar e o senhor sem máscara e a sua respiração continua perfeira e com execelentes saturações", ele esboçou um ligeiro sorriso e disse "pois é".
Foi mais uma lição...escrito assim, até parece simples, mas ainda me custou vários dias a aprender...fico a dever esta ao "Edmundo".
Estou literalmente em ressaca muscular...todos os musculos dos 4 membros me doem depois do intenso "treino" de volley de ontem. Só tive pena de não ter ido devidamente equipada à Verão para um mergulho, apesar de ainda assim ter ficado encharcada vai-se lá saber porquê. Belo dia a repetir...